terça-feira, 28 de agosto de 2012

"A confusão toda... Quase"

Subi a correr os seis lanços de escada
até ao meu quartinho mobilado
abri a janela
e comecei a atirar fora
aquelas coisas mais importantes da vida

A primeira a ir, a Verdade, guinchava como um chibo:
“Não! Contarei coisas terríveis a teu respeito!”
“Ah, sim? Bem, não tenho nada a esconder... FORA!”
Depois foi Deus, fulminante e choroso de espanto:
“A culpa não é minha! Não sou eu a causa de tudo!” “FORA!”
Depois, o Amor, sedutor, a arrulhar: “Jamais conhecerás a impotência!
As modelos das capas da Vogue, todas as terás!”
Empurrei-lhe o rabo gordo para fora e gritei-lhe:
“És sempre um desmancha-prazeres!”
peguei na Fé na Esperança na Caridade
as três agarradinhas:
“Sem nós não sobreviverás!”
“Convosco dou em doido! Adeus!”

Depois, a Beleza... ah, a Beleza —
ia-lhe dizendo, enquanto a levava
até à janela: “A ti amei mais que a tudo na vida
... mas és mortífera; a Beleza mata!”
Sem realmente querer deixá-la cair
corri de imediato escada abaixo
cheguei mesmo a tempo de a segurar
“Salvaste-me!” chorou
pu-la no chão e disse-lhe: “Siga.”

Voltei a subir os seis lanços
fui-me ao dinheiro
não havia dinheiro para deitar fora.
A única coisa que ainda lá estava era a Morte
escondida atrás do lava-loiças:
“Não sou de verdade!” gritava
“Sou um boato que a vida espalhou... ”
A rir, atirei com ela, lava-loiças e tudo
e de repente percebi que só o Humor
sobrava —
E com o Humor não fiz senão dizer:
“Defenestre-se a janela!”
“The Whole Mess... Almost”, from
Herald of the Autochthonic Spirit.
Copyright © 1973, 1975, 1981 by Gregory Corso.
Tradução minha, a partir daqui.
Em 2012, a Língua Morta  publicou, de Antonio Hernández, O Mundo Inteiro - e, nele, um poema que fala com este.