sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Pó de pedrinhas


O Reboliço observa a azáfama e sorri: limpar o moinho é ter trabalho de Sísifo. Desde que o moleiro se foi, quem trata do trigo no moinho são os pássaros, o vento e as aranhas. Não se preocupam em moê-lo, e mais usam folha do que grão. A ventania e as aves carregam-no, dão-lhe entrada pelas frestas, pelas frinchas. As aranhas prendem nas teias a palha das espigas, os mais levezinhos troncos secos, amarelados que se encostam à finura força transparente e lúcida. Cada buraco entre a madeira, no piso de topo, é um apartamento forrado - os pardelhos fazem ali vida e criação, protegidos das rajadas, do frio e da calma quente pela parede caiada, pedra antiga e reboco. Não há recantinho redondo que lhes não seja morada, fofo e ameno. Igual as aranhas, menos esquisitas na escolha do poiso. Em tudo ligam, liam, atam, tecem. Entra pela porta um homem, nem cinco dias de serem limpas as teaças já lá estão de novo, a entaramelarem-se pelo rosto e pelos cabelos, finas, lúcidas, transparentes. São cartões das aranhas para as visitas: esta é a nossa casa; entrem, fiquem à vontade.